terça-feira, 19 de maio de 2009

como aconteceu

Após três meses viajando de trem pela Europa, dormindo em camas de quartos coletivos em albergues, conversando desconhecidos e vivendo a céu aberto na maior parte do cotidiano, encontrei-me de volta em casa, em São Paulo, esse mastodonte, precisando unir as partes, paisagens, estimas.

Foi uma espécie de precipitação e, se chuva fosse, só de maneira pouco científica eu poderia explicar um pouco da atmosfera. Sentia uma força e energia tão implacáveis, que se eu não as aplicasse em um objeto, em fúria destrutiva me lançaria pela estratosfera. Ao mesmo tempo, percebia que pela primeira vez eu tinha um conjunto de textos que tinham sido feitos para vir ao público.

Quando dei por mim, um pequeno livro estava feito: eu tinha escolhido textos de escritos imediatamente antecedentes à viagem, cortado trechos dos diários nela feitos e acabava por ter criado novos textos para fecharem um caderno de poemas, datilografado na máquina de escrever e costurado à mão.

Inventei o título, arranjei a epígrafe, tudo muito rápido, de maneira que aconteceu na seguinte forma (o acaso da mais crua forma do objeto depois contribuiu, gosto de supor para direcionar os convidados aos textos): em sulfite, formato A4, datilografados numa Olivetti, costurados com agulha e linha, tendo a capa e a contracapa em um papel de gramatura maior e cor próxima do avelã. Como a digitação fere o papel, não quis que os poemas ficassem marcados pelos versos do anterior, optando assim por uma folha para cada texto, costurando em duplas as páginas do lado direito com linhas brancas e, no lado da lombada, uni todas as páginas por fora e em linha vermelha, com título não na capa, mas na folha de rosto: cantos de estima.

Foi só com o 1º exemplar pronto que interpretei a sensação de presente: “quero dar isso pra alguém”. Mas quem? Ser uma peça única poderia tanto asfixiar, como indeterminar quem o recebesse, ou terminar em ser um bibelô numa estante, empoeirando, e a troca com quem o recebesse seria, no máximo, uma opinião crítica/afetiva quanto aos textos.

Somado a isso, a solidão que eu tinha experimentado de trocar de país e de língua a cada três, dez, no máximo 15 dias, me aumentava a valorização de uma das coisas em que acredito: a intimidade. E a intimidade, como tento entendê-la, é uma qualidade possível do convívio mútuo entre as pessoas, mas pode ser também com um animal (um gato, um cão, crocodilos não sei não) ou ainda por objetos inanimados ou representações, no modo de como confortavelmente nos habituamos com os nossos próprios objetos, visões, fazeres. E então, nos casos dos convidados com os quais tenho pouca intimidade, acreditei que a vontade de querer sê-lo por algum ponto do trabalho, do contato, podia me produzir com a liberdade do convite.

Ao que determinei pela atividade que me propunha a fazer um número maior do que 10: 12 exemplares. Cortei uma lista de umas 25 pessoas até chegar nos 12 que convidei. Todos aceitaram de imediato.

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